sábado, 5 de abril de 2014

[OPINIÃO] Demência - Célia Correia Loureiro

Opinião: Neste romance de Célia Loureiro, Letícia é levada a regressar ao seu passado ao mudar-se para a casa da sogra – Olímpia – devido aos problemas que esta tem tido com os seus esquecimentos constantes. Assim, Letícia e as duas filhas, Luz e Maria, instalam-se na casa de Olímpia. Sempre sob a julgamento da sogra e da aldeia inteira, Letícia encontra apenas apoio em Gabriel e Sebastião.

Gabriel, sempre reticente ajuda Letícia sob o intuito de auxiliar unicamente a esposa e filhas do seu falecido amigo. Sebastião, um grande amigo de Olímpia e seu protector, surge como uma fonte de apoio para a amiga mas igualmente para as novas residentes.
Letícia é uma personagem maravilhosa, forte e determinada, com uma grande resiliência. Ela decide enfrentar os seus medos em vez de os evitar mas, sempre pensando no melhor para os outros – especialmente as filhas – e não no que seria melhor para ela.
É contra ela que surgem muitos dos preconceitos e marginalizações presentes nesta obra. Numa  sociedade que se baseia  numa hipocrisia e mentalidade limitada nas suas percepções e que, deste modo, julga Letícia como se se pudessem colocar acima da mesma.
Com um enredo centrado em Letícia, Olímpia acaba por ser uma peça fundamental neste enquadramento. É esta que vem moldar toda a história e influenciar as decisões de muitas das personagens. Como a nora, é igualmente discriminada tendo como alvo a sua doença. Com Alzheimer e muito abandonada a si mesma, é rotulada pelos seus vizinhos ignorantes como maluca ou alienada.
«- É demência, senho doutor?  - Arriscou perguntar, impaciente, apertando a mão de Olímpia na sua.
- O que é demência, senhor Guerreiro? Malucos andamos todos. Com esta história da crise agora… já viu?»
Com esta pequena citação, fiquei a pensar se seria realmente a Olímpia a demente ou se não seria a sociedade a maior demente nesta obra. É visível como a idosa apesar da doença arranja estratégias para sobreviver e apresenta ainda qualidades muito humanas, pelo contrário, a comunidade envolvente apenas se foca nos defeitos e erros dos outros e sentencia-os sem pestanejar.
Demência apresenta-nos um cenário muito próximo à nossa realidade, uma pequena aldeia de Portugal com uma população envelhecida e expostas a preconceitos , rumores e mesquinhices tão comuns num contexto exíguo.
Ainda, uma diferenciação sexistas é muito marcante e faz-nos pensar em como ainda temos muito para crescer como sociedade e como ainda somos muito influenciados por crenças medievais e irrealistas.
Com a viagem em que a escritora nos leva ao longo de vários anos e alternando entre passado e presente, as percepções que vamos construindo sobre as personagens tornam-se mais completas e por vezes alteram-se, o que nos faz pensar sobre os erros de julgamento precipitado a que as personagens também estão sujeitas na obra.
Tratando temas tão chocantes como violência doméstica e segregação esta é uma história que nos é tão próxima que assusta.

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